O Bispo Ambrósio, Bispo de Milão, Itália, não deixou o imperador
entrar na Igreja, para participar da missa, por oito meses! Porque, entre 388
DC e 390 DC aconteceu, na Grécia, um massacre de enormes e dramáticas
proporções.
Teodósio 1, o Grande, era o imperador de Roma. Graças a uma trama
política, que não foi orquestrada por ele, mas, que acabou por provocar a morte
do imperador do ocidente, Teodósio, que era, originalmente, do oriente,
governou um império reunificado. Foi o último imperador romano a ter essa
extensão de governo.
Por volta do ano 388 DC, o Gal. Buterico era o chefe da infantaria
romana que controlava a cidade de Tessalônica, cidade grega, fundada em 316 AC,
que era capital de um dos quatro distritos romanos da Grécia.
Cumprindo um decreto do imperador, o Gal. Buterico mandou por na
cadeia um atleta, um auriga, nome dado ao esportista que conduzia bigas, pequenas
carruagens individuais, onde o condutor tinha de ficar em pé, puxadas por velozes
cavalos, que disputavam corridas nos circos. Os circos eram construções
semelhantes ao famoso Coliseu romano, agora, dedicadas aos esportes, e não mais
às lutas dos gladiadores, e que faziam parte da vida de muitas cidades do
império romano.
O atleta, cujo nome não se sabe, conduzia quadrigas, nome dado às tais
carruagens quando puxadas por 4 cavalos, era muito popular; um atleta tão bem
sucedido, inclusive do ponto de vista financeiro, quanto os melhores
futebolistas da atualidade. A população, quando soube da prisão do atleta, se revoltou,
e atacou aos romanos, e, entre outros oficiais da infantaria romana, o Gal.
Buterico foi morto.
Ambrósio era o Bispo da cidade de Milão, onde o imperador Teodósio,
que frequentava a Igreja, se encontrava. Conhecendo o temperamento do
imperador, Ambrósio o visitou e lhe pediu que, diante do motim, reagisse
com
misericórdia.
Teodósio, no entanto, dando a entender que havia ouvido o conselho
do Bispo, fez com que se espalhasse a notícia de que Tessalônica seria perdoada,
contudo, organizou a tropa, sedenta de vingança, para que, tão logo a cidade
voltasse à normalidade, agisse com rigor.
A cidade, como era de se esperar, aos poucos, foi voltando à
normalidade, principalmente, porque tudo dava a entender que a notícia veiculada,
ainda que de modo não oficial, era verdadeira.
Os tessalonicenses, então, retomando o costume e o cultivo da paixão
pelas competições esportivas, retornam ao circo, que fora o palco do que acabou
por provocar o motim e a morte dos oficiais romanos.
Em determinada ocasião, quando, despreocupadamente, parte
considerável da população de Tessalônica se encontrava no circo de esportes, a
tropa romana, sob ordens do imperador, cercou o circo e massacrou cerca de 7000
seres humanos. Uma barbárie! Barbárie que ficou conhecida, na história, como o
Massacre de Tessalônica.
Tão logo soube disso, o Bispo Ambrósio exigiu que o Imperador se
arrependesse publicamente.
Algum tempo, depois de saber da exigência do Bispo, Teodósio
resolveu ir ao encontro sagrado, porém, o Bispo Ambrósio saiu à porta da Igreja
e impediu o Imperador de entrar para participar do culto, dizendo que ele era
um sanguinário, e que se ele não se arrependesse publicamente, não teria mais
acesso à missa.
O Imperador resistiu por oito meses, porém, quando se deu conta de
que o Bispo não arredaria pé de sua posição, cedeu, e, oito meses depois da
intimação do Bispo, o Imperador foi à Igreja vestido como penitente e,
publicamente, pediu perdão por seu pecado, pediu perdão por ter ordenado o massacre.
E, embora, o mal não pudesse ser desfeito, a justiça tinha logrado
êxito. Ficava, publicamente, claro que ninguém, sob alegação alguma, poderia
eximir-se da justiça. Ficava claro que a lei que não serve à justiça, não
serve. Ficava claro que o governo que não serve à justiça, não serve.
No dia 22 de janeiro de 2012, em São José dos Campos, São Paulo,
Brasil, quase dois mil anos depois do ato do Imperador Teodósio 1, assistimos a
um ato de injustiça, a uma barbárie, também, de grandes proporções: 9000
pessoas foram desalojadas de suas moradias e colocadas em situação de rua, e
suas casas, nas quais já habitavam a oito anos, foram demolidas. Um massacre
que não tirou a vida das vítimas, mas, que desconsiderou o seu direito à
dignidade no viver.
Os tempos deveriam ser outros! É tempo de democracia, regime, onde a
autoridade maior é o povo. Um regime onde o governo deve ser exercido em nome
do povo, e para o benefício do povo.
O motivo alegado para a prática do massacre, foi a reintegração de
posse do terreno ocupado por essas 9000 pessoas a, pelo menos, 8 anos. Posse
duvidosa, diga-se de passagem, porque este terreno foi propriedade de uma
família que não deixou herdeiros, passando a posse do terreno, por justiça,
essa, sim, legislada, para o Estado, portanto, para benefício do povo.
Estado que, a exemplo de Teodósio, ludibriou o povo, uma vez que lhe
forneceu os serviços básicos de infraestrutura, tais como, água encanada e luz
elétrica.
A presença desses serviços do Estado, certamente, deu aos moradores do
Pinheirinho, nome pelo qual era conhecido o condomínio residencial, a certeza
de que seu direito à moradia havia sido reconhecido, assim como, havia sido
corrigido o desvio de posse desse espaço de terra que, de fato, deveria ser
utilizado para o benefício do povo.
Engano nada ledo! Um governador redivivo, forneceu as condições para
que a injustiça solapasse o direito. E o que durou oito anos acabou em menos e
oito horas.
Os moradores estavam negociando, tentando fazer valer o bom senso,
já que o mero senso de justiça não foi suficiente! Que nada! As negociações
foram desconsideradas! Restaram os gritos, as lágrimas e som áspero da
injustiça zombando do direito. Restou a rua para idosos e crianças, para os
trabalhadores e as trabalhadoras.
O governador, também, a exemplo do imperador antigo, frequenta a
Igreja. O seu ato trouxe para perto de nós uma antiga história. Terá vindo com
essa história, a inspiração de Ambrósio? Será que um Bispo haverá, que impeça o
governador de assistir à missa, até que, publicamente, admita o seu pecado, e,
arrependido, restitua aos lesados o que lhes garante o direito, o que impõe a
justiça?
Tomara, como quer Deus, haja, ainda, na Igreja, sacerdotes desta
envergadura! Tomara haja, nos frequentadores da Igreja, a firme disposição de
não participar desses atos de injustiça, independente de como venham
travestidos! Tomara, decidamos, nós, que frequentamos a Igreja, resistir, em
nome da consciência, a essa e a qualquer ação similar, que mais parece, como
mencionado pelo poeta, fruto de “tenebrosas transações”, que sempre está a
serviço da ignomínia.
É bem possível que isso nos gere muito desconforto; que gere muita
incompreensão, muita ação disciplinar; que gere muita perda de emprego; que
gere muita exoneração; que gere muita perseguição. Mas, de certo, também, há
de, finalmente, gerar definição, há de deixar claro onde e em quem o rito é só
ritualismo e onde o rito é, de fato, culto. Há, certamente, de gerar caráter,
há de recuperar o sentido do ser cristão, há de recuperar o nosso compromisso
com a democracia.
Veja o vídeo!
Veja o vídeo!